Por Júlia Rodrigues
Em um grande quintal, uma mulher acende um fogareiro. Na panela, adiciona cebola, tomate, gengibre e azeite de palma. Daí vem o frango que, junto ao quiabo, é cozido lentamente no caldo. O aroma percorre as casas próximas, as crianças circundam a matriarca com olhos atentos. O resultado desse processo é a muamba de galinha, um dos pratos símbolos de Angola. Um acompanhamento possível é o funge, uma massa feita à base de farinha de mandioca, também típica do país. A introdução do azeite de palma (ou óleo de dendê, como ficou conhecido por aqui) e do quiabo em nossa culinária veio dos negros escravizados. "O primeiro contato do Brasil com a gastronomia angolana e africana no geral foi por meio desse encontro forçado", explica Karina Ramos, historiadora, especialista em gastronomia angolana pela UFRJ e cozinheira. Os cidadãos hoje conhecidos como angolanos fazem parte do grupo étnico dos bantos, um dos que mais foram trazidos como escravos para a América portuguesa.
Apesar de não ser possível precisar como ocorreram essas trocas gastronômicas, a influência é perceptível em vários pratos comidos por aqui. "O funge, quando feito de milho, se parece muito com o angu mineiro. A quizaca, um refogado de folhas de mandioca, é muito similar à maniçoba, do Pará", pontua Karina. O óleo de dendê, obrigatório nas casas angolanas, ainda reina na Bahia, fazendo-se presente no acarajé e na moqueca. Dados do Nepo (Núcleo de Estudos de População “Elza Berquó”), da Unicamp, apontam que, de 2000 a 2020, houve mais de 17 mil registros de imigrantes angolanos no país, sendo São Paulo o destino da maior parte deles. Só no ano passado, houve mais de 2.500 registros. Apesar disso, não há sequer um restaurante especializado na capital.
Essa falta foi algo que incomodou João Canda, escritor e produtor cultural angolano, quando se mudou para o Brasil há dez anos. Quando inaugurar o Ngola Yetu, na Vila Mariana, na região centro-sul, ele será o dono do primeiro restaurante angolano de São Paulo. O estabelecimento tem data de abertura prevista para dezembro deste ano, mas já possui redes sociais e ofereceu degustação para convidados na Universidade Zumbi dos Palmares em comemoração ao Dia da África.
Arte: Adrielly Marcelino e Jorge Fofano.
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