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Procura-se: o cheiro do café, o gosto do vinho

Atualizado: 22 de set. de 2022

Por Jaqueline Silva



Por entre os lábios, sobre a língua ou no céu da boca, os alimentos não têm muito gosto. Podem ser doces, salgados, azedos, amargos ou conterem o misterioso umami: um quinto sabor, sentido junto aos alimentos ácidos ou doces, como o tomate, o queijo, a cebola. Mas o cérebro dá um passo adiante e reúne essas sensações gustativas com as impressões sentidas pelo olfato, criando uma lista extensa de sabores que vão sendo “gravados” na memória. Eis um resultado fino entre os dois nobres sentidos: o paladar.


Ligado ao sistema nervoso central, nervo fundamental para a percepção e memória, o fruto dessa união pode desaparecer completamente entre aqueles que sofrem lesões importantes nessa região cerebral, como é o caso de pessoas que desenvolvem anosmia, que leva à perda total dos estímulos olfativos; ou até mesmo a ageusia, condição que impede a percepção gustativa e afeta cerca de 5% da população brasileira.


Após um acidente de trânsito que lesionou essa região do cérebro e comprometeu seu paladar por completo, Miriam Greco* precisou adaptar toda sua relação com a comida. Amante da degustação de vinhos e com uma bagagem cheia de memórias das viagens gastronômicas que fez com o marido e amigos, atualmente é a sua língua que desempenha o papel principal, processando os cinco sabores básicos, além de aguçar a percepção acerca da temperatura, textura e consistência de cada alimento. Hoje, consegue diferenciar uma batata de um purê pela maciez ou pastosidade, ou uma cerveja de um café pelo efeito glacial ou cálido que o copo lhe revela.


Para a médica Ana Cláudia Silva, por outro lado, reconhecer a diferença entre os alimentos foi demorado e propício a acidentes. Tendo perdido o paladar ao ser diagnosticada com anosmia, foi somente após um episódio em que ingeriu uma quantidade excessiva de pimenta, sem sentir sua intensidade, mas com olhos lacrimejando e bochechas coradas, que Ana Cláudia descobriu sobre o picância remanescente do fruto de estimular os receptores de calor existentes na língua e sua ligação à sensibilidade facial.


A partir de tratamentos com médicos otorrinos e neurologistas, pessoas como Miriam e Ana Cláudia têm como alternativa os exercícios diários que ajudam a localizar na língua as regiões que melhor reconheçam os sabores, além de “treinar” o nariz para reconhecer aromas de diversos alimentos por meio dos óleos essenciais, que concentram com mais intensidade os aromas dos compostos químicos.


Ambas dizem que, por serem pouco eficazes, preferem agarrar-se à memória que guardam dos pratos preferidos. Chuchu continua sem sabor algum, diz Ana Cláudia. O café? Fumegante, é preparado todas as tardes ao lado da filha, que abre a janela para espalhar o aroma pela vizinhança. Mas o espumante? Deve estar sempre estupidamente gelado e regado pela companhia de bons amigos.


Colaboraram:

*O nome da entrevistada foi ocultado a pedido da fonte

Ana Cláudia Silva, clínica-geral

Viviane Zétola, neurologista pela Universidade Federal do Paraná

Francisco Xavier Palheta Neto, otorrinolaringologista pela Universidade Federal do Pará e especialista em anormalidades sensoriais do olfato e paladar


Arte: Adrielly Marcelino e Jorge Fofano.

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