Por João Pedro Malar
Arte: Beatriz Cristina
Para além de guardar momentos importantes, a memória é utilizada muitas vezes como peça central em processos criminais. É a partir dos testemunhos que surgem acusações, defesas e, em especial, sentenças.
William Cecconello, que estuda o processo cognitivo de testemunhas no ambiente judicial, observa que a memória está mais associada ao processo do que à investigação. É dado muito valor para o que é dito por uma testemunha para um juiz, mas muitas vezes os testemunhos não são trabalhados como fontes de pistas que, se investigadas, podem corroborar relatos ou mudar o rumo de um julgamento.
Se nos processos a memória é vista como algo sólido, na prática ela pode ser repleta de furos. Primeiro, há a questão temporal: o tempo naturalmente leva as pessoas a esquecerem informações. “Apesar disso, no processo é exigido que lembremos de tudo com detalhes”, pontua o pesquisador.
Essa exigência está ligada à existência das chamadas falsas memórias. Gustavo Noronha de Ávila, que realiza pesquisa sobre as distorções na memória em processos penais, explica que elas são formadas quando as pessoas precisam lembrar de algo que ocorreu há algum tempo, e preenchem detalhes esquecidos por “elementos que lhes parecem coerentes”.
A pessoa que relata uma falsa memória acredita que está falando a verdade, e não tem a intenção de mentir, fatores que a diferencia de um falso testemunho. Ávila ressalta que a possibilidade de existência de falsas memórias torna a corroboração de testemunhos com outros registros essencial para o processo.
Outro ponto é que a influência de entrevistadores pode levar a erros de condenações. Foi o caso de André Biazucci, condenado por estupro após ser identificado por vítimas quando foi levado à delegacia por ter um carro e placa semelhantes aos relatados. Um exame de DNA posterior à condenação comprovou que ele não era o estuprador.
Para evitar essa influência foi criada a entrevista cognitiva. Segundo Catarina Gordiano, que estuda a questão da verdade em processos, é uma técnica que busca “o maior nível de informação com o menor número de alterações”. Nela a testemunha fornece um relato livre, com poucas interrupções ou falas sugestivas dos entrevistadores, e que é revisado pela própria testemunha.
Mesmo com todas essas questões, os entrevistados destacam que a memória é um elemento crucial para o processo penal. Mas deve ser vista como passível de falhas, e que, portanto, demanda comprovação, para evitar erros e corroborar sentenças que podem afetar para toda a vida os envolvidos em um processo.
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