Por Ligia Andrade e Thaislane Xavier
Arte: Marcelo Canquerino
Antes de colocar a venda sobre os olhos, Vicenzo Cecchini, que se tornou recordista mundial de Cubo Mágico aos 13 anos, se concentra. Na sua frente, um cubo de seis faces: cada uma delas é dividida em nove partes, todas pintadas com uma cor diferente, prontas para serem desembaralhadas. No pouco tempo que tem para memorizar o lugar em que as cores estão, cria histórias para cada uma das peças, nomeando-as com letras que formarão palavras quando não conseguir mais enxergar. Assim que é vendado, leva cerca de apenas dois minutos para conseguir decifrar o cubo.
No total, um Cubo Mágico oferece mais de 43 quintilhões de possibilidades de combinação, mas os dedos de Vicenzo parecem ignorar a matemática. Segundo o recordista, o segredo é decorar as etapas propostas por determinados algoritmos, que definem sequências de regras a serem seguidas para decifrar o quebra-cabeça tridimensional, e então repeti-las até se tornarem instintivas: "Enquanto eu decoro, meu dedo já vai sabendo o que fazer".
Embora possa parecer que Vicenzo Cecchini possui uma memória acima da média e, portanto, consiga aplicar sua habilidade de memorização em outras partes de sua vida, isso não é, necessariamente, verdade. Gilberto Fernando Xavier, neurocientista e professor de fisiologia do Instituto de Biociências da USP, explica que a memorização de certas habilidades ocorre por mecanismos distintos da memorização de certos momentos.
No primeiro, o que importa é a repetição de movimentos, enquanto que, no segundo, a ativação de circuitos facilitados do sistema nervoso, responsáveis pela captação de informação e por sua lembrança, ocorre por diversos fatores, como carga emocional e importância do evento. “Se você perguntar para uma pessoa que pratica um esporte como ela faz para que seus dedos façam determinado movimento, ela não saberá explicar direito. Diferente de uma memória autobiográfica, em que a pessoa é capaz de fazer um relato verbal do ocorrido, a experiência percepto-motora só é capaz de ser demonstrada através da execução”.
Trabalhar a chamada memória de trabalho, responsável por nossa capacidade de guardar mentalmente as informações em curtos períodos de tempo, é fundamental para o atleta. É precisamente isso que faz com que Vicenzo seja capaz de quebrar recordes. Após decorar as cores, seu cérebro começa a processar as informações necessárias para resolver o cubo, mas sem esquecer a ordem inicial do que se encontrava a sua frente. Quanto mais ele repete a ação, mais intuitivo se torna colocar todas as cores do cubo em ordem.
Ainda assim, ele precisa se concentrar, por quê? Bem, a memória de trabalho possui alguns limites, entre eles a distração: “Um pensamento surge, uma interrupção como um telefone tocando ou alguém falando por perto, pode ser suficiente para desviar a atenção do conteúdo da memória de trabalho de modo que o seu conteúdo é rapidamente perdido”, explica Emílio Takase, especialista em neurociência aplicada ao esporte. Por isso, campeonatos como os de tênis, golfe, xadrez e cubo-mágico exigem silêncio tanto de quem assiste quanto dos que competem.
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