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No limite, e além

Por Danilo Moliterno e Guilherme Bolzan

Arte por Gabriella Sales e Mariana Catacci

Até onde vai a vida?”. Quando uma pessoa tem uma doença terminal e se aproxima desse limite, tal dilema vem à tona. O debate é acompanhado de outras questões complexas, como o direito à morte digna, a diminuição do sofrimento e até procedimentos de eutanásia — atualmente ilegais no Brasil.


Por definição, a eutanásia é uma intervenção médica que causa a morte de um paciente, a fim de evitar que ele viva maiores sofrimentos. De acordo com a interpretação jurídica brasileira, procedimentos como esses “podem ser enquadrados como homicídio, omissão de socorro e auxílio ao suicídio”. Todos crimes passíveis de pena, explica Otávio Morato, autor do artigo “Status legal da eutanásia e ortotanásia no Brasil” e pós-graduado em Direito-Civil pela PUC-MG.


No entanto, o enfermeiro e doutor em bioética pela UFRJ Oswaldo da Motta explica que há diferenças entre causar morte e “deixar morrer” em decorrência da doença. A segunda conduta, chamada de ortanásia, não é ilegal e geralmente vem acompanhada de cuidados paliativos — procedimentos que buscam melhorar a qualidade de vida dos pacientes, ainda que sem prolongá-la. A atual resolução do Conselho Federal de Medicina atribui tal decisão ao paciente e, quando este não pode tomá-la, a um familiar ou a um “testamento vital” — documento redigido previamente que descreve os seus desejos.


“Muitas vezes o paciente precisa de alguém junto dele, não só de intervenção médica”, explica o psicólogo Adriano Facioli, que acompanhou pacientes com doença avançada por 6 anos. Conforme o tratamento médico deixa de dar resultado, o trato psicológico e o acompanhamento de familiares vão se tornando mais importantes.


Realizar este trabalho de acompanhamento também possui muitas angústias. Odete Novembrini, que já teve de acompanhar 4 familiares com câncer avançado, relata que a rotina é muito desgastante. “De noite, sempre vem uma enfermeira para aplicar um remédio para dormir, para relaxar o paciente. Mas os que acompanham não tem nada disso; eles têm de ficar ali sofrendo... e também acabam ficando doentes… a família adoece”, afirma ela. Ouça mais:

Lidar com despedidas não é mais fácil para a equipe médica, aponta a professora Maria Kovács. Mesmo quando parte da rotina, a ideia de “se acostumar” é um mito. “Normalmente, o profissional da saúde não está preparado para lidar com o fim de vida, pois ele aprende apenas a manter a vida”, afirma Oswaldo da Motta. Sem essa preparação, a equipe médica sente maior dificuldade em empatizar e lidar internamente com o sofrimento.


As conversas de Daniely e seu pai, apesar de não abordar a morte, serviam como despedida: “Na última noite, ele teve um momento de lucidez, e nós conversamos bastante. Falamos sobre a faculdade, ele perguntou se era um bom pai… sabe?” Sua preocupação não estava mais na doença, em seu presente, mas no futuro de sua família. “‘Eu falava ‘Oi pai, como é que você está?’ E ele falava: 'Eu estou bem, estou bem’. Ele se demonstrava forte para mim.”

 

Colaboraram:

  • Otávio Morato, autor de artigos sobre eutanásia e ortotanásia, formado em Direito pela UFMG e especializado em Divil-Civil pela PUC-MG

  • Oswaldo da Motta, formado em enfermagem pela Universidade Gama Filho e doutor em bioética, ética aplicada e saúde coletiva pela UFRJ

  • Adriano Machado Facioli, doutor em psicologia pela Universidade de Brasília e ex-psicólogo do SUS (Sistema Único de Saúde) por 6 anos

  • Odete Novembrini, que acompanhou a sogra, o sogro, dois cunhados e o marido, a maioria diagnosticados com câncer de estômago

  • Maria Júlia Kovács, professora livre-docente sênior do Instituto de Psicologia da USP e membro fundador do Laboratório de Estudos sobre a Morte

  • Mariza Sotelo Codo, que acompanhou o marido em casa, após seu diagnóstico.

  • Daniely Gonçalves da Silva, que acompanhou o pai, internado no hospital



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