O consumo apenas pela compra é muitas vezes irracional, mas lógico e justificável quando a vida útil de um produto acaba
Arte: Mariana Arrudas; fotos: Sofia Aguiar
O micro-ondas de Guilherme Ribeiro, dentista, completou 31 anos em 2020 e segue firme e forte esquentando a sua comida todos os dias. O aparelho já faz parte da história: viu o Brasil ganhar duas Copas do Mundo, sete presidentes no país e vive a pandemia da Covid-19. Sem perspectiva de uma nova compra, o eletrodoméstico contrasta com o novo lançamento da Apple que, em 13 anos, apresentou ao mundo o décimo segundoºIphone.
A comparação entre os dois produtos é inevitável. Habituados com a ideia de que “comprar um novo é mais barato que consertar”, dizer que aparelhos antigos duram mais já soa realidade. A sensação de menor durabilidade fez surgir o conceito de “obsolescência programada”, em que o fabricante, de forma proposital, estabelece um prazo máximo de vida do produto. Apesar do imaginário coletivo, o Direito do Consumidor assegura a assistência técnica de qualquer produto, mesmo fora do prazo de garantia, como afirma o especialista em Direito Digital Fernando Peres.
Mas a teoria ainda está no campo de achar uma evidência real e é difícil comprová-la por conta da imensa variedade de produtos. O que ajudaria na comparação temporal, como pontua Clauber Leite, coordenador da área de energia e sustentabilidade do Idec (1), é ter a vida útil do equipamento declarada pelos fabricantes. “Porém, eles se restringem a falar só sobre a garantia, que é contra defeito”, conta.
Muitas vezes de forma inconsciente, as tendências de mercado estimulam a troca constante. Tem-se, assim, uma obsolescência psicológica. A dentista Rosana Beltrati, por exemplo, trocou o ar-condicionado de 17 anos para um modelo split “pois esteticamente ficava melhor”. Depois de “ceder à modernidade”, ela já está no terceiro aparelho em 16 anos. Segundo seu técnico de instalação, “os atuais ar-condicionados duram até cinco anos”.
Para Benito Muros, presidente da Feniss (2), a dúvida sobre a menor durabilidade dos atuais eletroeletrônicos só irá cessar quando “cada produto tiver um rótulo de vida útil descrevendo o tempo de uso, os possíveis danos que terá após o período de garantia e o custo dos reparos”. Mas Gabriel Paúba, que trabalha em uma loja de aparelhos usados, diz já constatar esta suposição pois, todo dia, “clientes ligam procurando uma geladeira usada”.
Até isso ser comprovado, o micro-ondas de Guilherme resiste e o ar-condicionado de Rosana terá que ser trocado a cada cinco anos.
(1) Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
(2) Fundação Energia e Inovação Sustentável Sem Obsolescência Programada
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