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Mariana Cotrim, Mayumi Yamasaki

Seguir padrões também é um direito

Atualizado: 20 de out. de 2020

Na imensidão do discurso do amor próprio, há o risco de pessoas serem colocadas contra a parede sem terem as próprias escolhas consideradas


Arte: Mariana Arrudas; fotos: Mariana Cotrim e Mayumi Yamasaki


Em 2018, a blogueira Bruna Vieira postou no Instagram uma foto com os cabelos lisos, o suficiente para que internautas fossem aos comentários criticá-la pela escolha, que não condizia com o processo de transição capilar pelo qual passava.


A resposta dos seguidores de Bruna mostram como é usual haver críticas sobre a escolha de alguém. De acordo com Nadini Brandão, especialista em psicologia clínica, socialmente, sofremos imposições para aceitar determinadas ideias.


Além disso, há o costume de colocar a identidade como uma caixa fechada, o que leva à crença de que ser de certo grupo, ou apoiar uma ideia, não dá abertura para um comportamento diferente do esperado. Bruna, que mostrava em seu perfil o processo para aceitar os cachos, foi criticada por aparecer uma vez com os cabelos lisos, simplesmente por ir contra a expectativa de quebrar esse padrão. Mas ela não é a única que sofre por isso.


Izadora Pigozzo adora seguir blogueiras que prezam o amor ao próprio corpo, magro ou gordo. Mas está tentando emagrecer. Ao perder peso, sentiu-se hipócrita por acompanhar pessoas que falam em aceitar-se e, ao mesmo tempo, resistir a essa ideia. Eduara Terra acha impossível lidar com as pressões, que vêm de todos os lados: o da autoaceitação e o da manutenção de padrões antigos, como o cabelo liso, que a agrada mais que seu cabelo natural, volumoso.


Uma simples mensagem sobre o poder de “aceitar-se como é” nas redes sociais não aborda as singularidades da autoaceitação. Quando discute-se o tema online, o espaço para conflitos é potencializado e, no meio dos disparos, pessoas como Izadora e Eduara ficam confusas.


Diana Bado também está no meio dessa encruzilhada. Quando se depila, sente desconforto entre as amigas da faculdade, que não costumam fazer o mesmo. Por outro lado, quando deixa os pelos das axilas crescerem, as viagens de ônibus são constrangedoras, pois todos a olham assim que levanta os braços para se segurar.


É difícil suprir todas as expectativas externas. Por isso, o debate que envolve a quebra de padrões deve estar relacionado a uma busca individual e consciente. O problema é que, no mundo virtual, o assunto é tratado majoritariamente sob o enfoque da questão estética, e aceitar-se vai muito além disso, de acordo com Nadini.


Na visão da especialista, o autoconhecimento visto de forma global significa compreender a si mesmo e olhar para si como um ser complexo, e esse exercício extrapola a parte estética. É a partir de uma análise mais profunda da própria imagem, comportamento e papel social que alguém pode se conhecer o suficiente para saber o que quer mudar ou preservar.


No entanto, a cientista social Aline Tusset Rocco, lembra que as pessoas só são, de fato, livres para escolherem o que querem fazer com os seus corpos, quando sabem de onde vêm os padrões estéticos e comportamentais que as influenciam. Isso porque os gostos são formados socialmente: aprendemos que o liso e o magro são bonitos, e por isso eles ainda são parte hegemônica de expressões, o que os torna padrões.


O ideal, na opinião da Aline, seria que todos os tipos de corpos tivessem o mesmo nível de exposição para que a escolha fosse mais justa. Como isso não acontece na prática, o discurso da autoaceitação torna-se mais forte hoje, e resistir a ele pode ser visto como uma afronta à quebra de padrões.


O movimento que caracteriza o processo de autoaceitação leva um indivíduo a conhecer-se e mudar a partir do que lhe faz sentido. Izadora passou por um processo até entender que pode, aos poucos, querer ser magra, e que não precisa se sentir mal por isso, se a fará bem. Com a consciência de onde vêm os padrões, manter-se neles não significa necessariamente resistir ao processo de aceitar-se.

 

Colaboraram:

Aline Tusset de Rocco - mestra em Ciências Sociais, focou sua pesquisa na relação de mercadorias de consumo com a construção de identidades em meios digitais;

Nadini Brandão de Souza Takaki - Formada em Psicologia Clínica na Abordagem Centrada na Pessoa, mestre e doutoranda em Psicologia pela Puc-Campinas;

*Feito com base nos relatos de Diana Bado, Izadora Pigozzo, Eduara Terra, Maria Eduarda dos Santos e Vânia Cristina Selarin.

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