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Fim do fator casa?

Atualizado: 23 de jun. de 2020

Volta do esporte sem torcida mostra o peso que os fãs têm para equipes mandantes


Por: Amanda Capuano e André Netto

Arte: Marcus de Rosa


O Campeonato Alemão, a Bundesliga, foi a primeira grande liga europeia a retomar suas atividades após a paralisação por conta da pandemia da Covid-19, mas voltou sem torcida, para evitar contaminações. A retomada sob esse novo modelo, que teve início em 16 de maio, trouxe resultados surpreendentes até aqui, números que nos fazem questionar qual o peso das torcidas e como os fãs influenciam nos resultados das partidas.


Com mais de 40 mil espectadores por partida e uma taxa de ocupação de mais de 90%, o Campeonato Alemão tem uma das melhores médias de público do mundo. Em um país onde os clubes estão acostumados a jogar com estádios cheios, a volta do futebol sem torcida pode ter um peso ainda maior. A exemplo disso, o estádio do Borussia Mönchengladbach exibe uma faixa em que se afirma que “futebol sem fãs não é nada”. Para Gerd Wenzel, comentarista da ESPN, com a ausência dos torcedores, a vantagem do mando de casa, na prática, deixou de existir. “Sem torcida, qualquer estádio se transforma num campo neutro”, opina.


Isso se confirma quando olhamos para as estatísticas. O número de vitórias dos mandantes caiu pela metade, enquanto os visitantes passaram a ter um sucesso muito maior quando analisamos os dados das quatro primeiras rodadas pós-pandemia.

Arte: Marcus de Rosa


Sem os gritos de incentivo das arquibancadas, o favoritismo de jogar em casa se perdeu. Levando em conta os jogos em que os mandantes eram favoritos a vencer nos sites de apostas, nota-se uma queda expressiva na porcentagem de vitórias e aumento na porcentagem de derrotas. A capacidade do time da casa de surpreender equipes mais fortes também aparenta ter ido pelo ralo. Sem torcida, os mandantes não venceram nenhum jogo em que eram favoritos, e perderam 18 de 23 partidas.

Arte: Marcus de Rosa


A julgar pelos números, a torcida tem uma influência de peso nos resultados. Segundo Luis Fernando Zamuner, professor de Educação Física no ensino básico da rede estadual de São Paulo e especialista em Ciências do Esporte pela Universidade Gama Filho, tamanho impacto pode ser explicado por um fator motivacional. Em sua pesquisa publicada em 2017 na Revista Brasileira de Futsal e Futebol (RBFF), Zamuner analisou um grupo de jogadores da Ponte Preta, time do interior Paulista, e constatou que 70% dos participantes consideram uma torcida numerosa como um incentivo a quem está em campo.


Tal situação é ainda mais visível quando os times entregam desempenhos extremos - seja para o bem, em meio a uma fase vitoriosa, ou na ponta oposta, quando, por exemplo, lutam contra um rebaixamento. “Nestes casos, a torcida costuma incentivar mais e demonstra mais comprometimento. Isso contribui para que a equipe mantenha-se focada”, analisa o entrevistado.


Há, porém, algumas desvantagens. Apesar da maioria dos jogadores gostar de atuar em clubes com grandes torcidas, tamanha influência pode partir para um lado menos agradável. Se a equipe passa por um momento ruim, a cobrança em clubes tradicionais é maior. Nesse sentido, Zamuner explica que jogadores experientes costumam absorver melhor essa cobrança, enquanto os mais novos são mais afetados por ela.


Já sobre o retorno do futebol sem a presença dos torcedores, o pesquisador pondera que o impacto depende muito da relevância da partida, mas é inevitável que a ausência influencie no rendimento já que, “em qualquer que seja a atividade, é bom ter alguém que aprecie e valorize o seu trabalho.” Assim, segundo ele, para os jogadores, um gol sem torcida não é tão gratificante de se comemorar quanto aqueles marcados diante dos fãs.


Mas futebol sem torcida faz sentido?


A pergunta levantada por torcedores, jogadores, dirigentes e jornalistas têm fundamento. Afinal, o que pudemos observar até aqui é um esporte diferente e sem um fator fundamental. Mas então, por que o futebol voltou? Renato Marques, professor da Escola de Educação Física e Esporte de Ribeirão Preto (EEFERP) da USP, explica que a torcida é apenas uma das fontes de renda dos clubes e do grande negócio que se tornou o futebol.


“O modo de aproximação dos torcedores e consumo do futebol atualmente passa por inúmeras formas de relação das pessoas com este fenômeno, e a presença da torcida nos estádios é uma pequena parcela disso”, afirma Renato. Dessa forma, analisando do ponto de vista comercial, o retorno das atividades está muito mais relacionado a dirigentes, patrocinadores e outros grupos envolvidos no espetáculo.


Além disso, também há uma perspectiva sociológica, que explica inclusive a tentativa de volta precoce do futebol no Brasil em busca da sensação de normalidade frente à pandemia da Covid-19.


Mas, enquanto as partidas aconteceremsem torcida nos estádios, o futebol estará bem longe de sua forma natural e normal.

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