top of page
  • Foto do escritorreportagem

Os loopings que a vida dá

Invariavelmente, todos passamos por aquele momento em que, por bem ou por mal, a vida parece sair dos trilhos.


Por Vinicius Lucena e Caio César Pereira

Arte por Bruna Irala e Mayara Prado

Imagine que você está em uma montanha russa. Gradualmente ela vai subindo, subindo e subindo. Até o momento em que o carrinho alcança seu ponto mais alto. Antes da derrocada certeira, o corpo é tomado por uma sensação esquisita: a garganta fecha e o tempo quase para tamanha a emoção de ter chegado ao topo. Em questão de segundos o carrinho acelera de maneira súbita e em queda livre, o coração dispara e só é possível ouvir os gritos de desespero.


Foi essa a sensação que Julia sentiu, em 2020, quando a empresa de turismo de seus pais foi à falência e seu salário de estagiária passou a ser a única renda da família. “Até abril eles estavam conseguindo pagar as despesas, em maio eu tive que começar a pagar. A partir daí a gente não tinha dinheiro para mais nada”, afirma.


Além da peculiaridade de mudar seu patamar social, ela teve ainda que lidar com outro looping repentino, uma gravidez não planejada. “Foi desesperador. Fora a gravidez e as contas eu também estava para me formar e no estágio em que eu estava eu passei por situações de humilhação e abuso psicológico por que eu não podia abrir mão do dinheiro”, relata Julia sobre a sensação da reviravolta em sua vida.


Segundo dados elaborados em 2020 pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, descendentes de um brasileiro nascido entre os 10% mais pobres do país levam, em média, nove gerações para alcançarem a renda mediana da sociedade. Ou seja, assim como em uma montanha russa, subir é muito mais demorado do que descer e em cada descida perde-se cada vez mais a esperança de subir de novo.


É o caso de José*, que abandonou os sonhos de comprar uma cadeira de rodas motorizada após ir à falência. Ele teve poliomielite na infância, o que acarretou em uma deficiência nas pernas. Apesar das limitações financeiras, José conseguiu investir na construção de uma escola de capacitação técnica e atingiu um patamar alto de renda.


“Os planos para o ano seguinte acabaram morrendo instantaneamente. Então acabou sendo uma quebra de expectativa”, relata seu filho, Marcelo*, a respeito da desilusão de seu pai, que desde então não toca mais no assunto devido à frustração.


Mas, e quando, apesar das derrocadas, o carrinho da montanha russa finalmente sobe? É o caso de Mar, que acredita que sua vida foi do lixo ao luxo. “Eu considero que tive muita sorte e alguns privilégios”, confessa Mar a respeito das oportunidades que a fizeram mudar de vida.


Para ela, o Prouni e as bolsas de estudo que conseguiu a ajudaram, não só a concluir suas duas graduações (Moda e Letras), mas também aceleraram sua ascensão social. Mar é a primeira de sua família a ter curso superior.


Hoje em dia, ela tem um emprego fixo em uma editora, realizou o sonho da casa própria e, mais recentemente, viajou de avião pela primeira vez. “Foi um momento marcante e eu lembro que quando entrei eu assustei e falei: Ca-ram-ba!”, afirma ela que não soube reagir ao momento de estranheza pois, no passado, uma viagem de avião era inimaginável.


Seja na expectativa da subida, seja no desespero da descida, a sensação de estranhamento é inevitável. Afinal, nessa montanha russa, quem vai do lixo ao luxo nunca se esquecerá das dificuldades que passou e quem vai do luxo ao lixo não perde só dinheiro, perde também a esperança de um futuro melhor.


**José e Marcelo são nomes fictícios pois as fontes não quiseram ser identificadas.


 

Colaboraram:


  • Renan Pieri, coordenador e professor de economia do Insper.

  • Naercio Menezes Filho, professor de economia e administração de empresas da FGV.

  • Julia Carregã Campolino, estudante de direito.

  • Mar Brilhante, revisora de textos.

23 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page