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A excêntrica presença paterna

Altas taxas de abandono afetivo tornam pais presentes algo diferente, mas até onde é pertinente enaltecê-los tanto?


Por David Ferrari e João Mello

Arte por Bruna Irala e Mayara Prado

Dias em claro. Nem se lembra mais como é uma noite inteira de sono. Um som reverbera. São três horas da manhã. O bebê está chorando. Pega rapidamente aquele barulhento ser, balança até cansar. Não adianta. Troca a fralda, passa pomada, mais balanços, mais cansaço... O som parou de ecoar. A criança dormiu. Coloca de volta no berço e dá um beijo de boa noite.


Essas situações foram descritas por figuras paternas. Uns são pais solo, outros dividem as tarefas familiares e domésticas com seus cônjuges.


A Lei nº 8.069/90 institui que “aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores”. As figuras paternas que cumprem o seu dever legal, também chamados de pais presentes, no entanto, são tratadas como “diferentes”.


Cleberson Rocha, 37, cria sua filha sem a figura materna, que faleceu por complicações no parto. Quando levava a criança ao Posto de Saúde, as enfermeiras o admiravam e ficavam surpresas “por cuidar tão bem” da menina. Eduardo Buzzinari, que também é pai, relata que costuma ser o único homem nas reuniões escolares.


E por que esta relação entre pai e filho é excêntrica, estranha? Porque essa não é a regra.


Ao menos 100 mil crianças nascidas nos sete primeiros meses de 2021 não têm o nome de seus pais no registro, segundo a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais. Além disso, mais de 11,5 milhões de famílias eram chefiadas por mulheres, segundo dados de 2015 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O principal motivo é o abandono parental.


Voltemos os olhos para uma mãe solo, Rosilda Bonete. Casou-se. Separou-se. Tinha dois empregos e cuidava sozinha dos filhos. Beijava-lhes as mãos ao deixá-los na escola, ficava a marca forte de batom "para mostrar que, mesmo não estando ali, eu estaria pensando neles”. Apesar disso, enfermeiras não faziam comentários dizendo que estavam impressionadas pela forma como ela cuidava de seus filhos. Mas eles, quando pensam na infância, lembram-se de uma mãe presente.


A psicóloga Lúcia Moreira explica que o envolvimento paterno engloba três dimensões. A primeira trata das interações, como brincar e conversar. A segunda consiste em o pai ser acessível à criança, para atender às necessidades dela. Por último, a figura paterna precisa ser responsável, tanto no sustento financeiro quanto na saúde do filho. Quando o pai está ausente, a mãe fica sobrecarregada e a criança não se beneficiará das oportunidades de convivência com o pai.


Segundo a psicóloga, pais presentes interagem com os filhos de modo diferente da mãe, ampliando o conhecimento da criança sobre diversos aspectos da realidade e favorecendo o seu desenvolvimento. Apesar disso, um filho, Vinicius Moreira, diz que não necessariamente sentiu falta do pai ausente, porque a mãe "nunca deixou faltar afeto".


A mãe dos beijos nas mãos reflete que as exigências de um pai são niveladas por baixo, e a sociedade estabelece demandas diferentes para a maternidade e para a paternidade. "Para os pais é pedido muito pouco, e esse endeusamento [dos pais presentes] chega a nos constranger como mães solo".


As histórias aqui retratadas, apesar de particulares, podem fazer-se identificadas em milhões de outros brasileiros que viveram situações de abandono parental, transcendendo o limite dos nomes.


 

Colaboraram:


  • Cleberson Rocha, pai.

  • Eduardo Buzzinari, pai.

  • Eli Júnior Assis, pai.

  • Fernando Ferrari, pai.

  • Lúcia Vaz de Campos Moreira, doutora em Psicologia pela USP e professora da Universidade Católica de Petrópolis (UCP).

  • Maria Rosilda Bonete, mãe.

  • Vinicius Moreira, filho.

  • Weytel de Oliveira, filho.


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