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Chega de aventura?

Por Gabriela Caputo

Arte por Danilo Moliterno e Gabriella Sales

Há quem defenda que a imprevisibilidade é o que faz a vida valer a pena. Porém, nem todos estão dispostos a correr riscos: alguns preferem viver com tudo sob controle. Mas até que ponto é possível escapar das aventuras que a vida impõe?


A busca por sossego pode partir daqueles que sempre enfrentaram batalhas em suas vidas e, em certo momento, clamam pelo “chega!”. Para outras, a organização é uma prioridade, enquanto a fuga do controle é quase um pesadelo. Há ainda quem simplesmente ache frustrante o desconforto causado pelas surpresas do viver.


Gabriel Viana, 24, sente que a procura pela segurança em sua vida, embora presente desde a infância, se intensificou por conta de planejamentos que não deram certo. O sonho de ser piloto de avião, por exemplo, teve que ser deixado de lado mesmo após algum progresso na formação, devido aos altos custos. Assim, optou por uma carreira mais “pé no chão”, e hoje estuda ciências contábeis.


“Acho que quando nos aventuramos em algo nos expomos a possibilidade de grande frustração, uma sensação pela qual eu quero passar o mínimo possível”, afirma Gabriel.


O conforto também é preferência da publicitária Cristiana Moraes, 31. Ela nunca gostou de surpresas, e os sentimentos ligados ao transtorno de ansiedade que possui têm peso nisso. “Mesmo quando mais nova, tentava prever tudo o que poderia acontecer. O problema é que venho percebendo que quanto mais controle quero ter, menos pareço ter”, diz.


Esse sentimento é explicado pela psicanalista Larissa Martha, para quem o imprevisto e a surpresa são constitutivos da experiência de estar vivo e de se relacionar com outros indivíduos — afinal, nunca se sabe ao certo o que esperar do outro. Além disso, a vida individual também é afetada por acontecimentos imprevisíveis da esfera coletiva, já que estamos interligados em sociedade. Nesse sentido, o controle e a repetição são uma forma de evitar lidar com a novidade e o desconhecido, que podem produzir medo, angústia e sofrimento.


Processar o inesperado, por sua vez, requer recursos e esforços, segundo Rita Jerónimo, professora de psicologia do Instituto Universitário de Lisboa. “Isso consome ‘energia cognitiva’. Nem sempre temos esses recursos disponíveis ou a motivação para o fazer”, diz. Por outro lado, a novidade alimenta a flexibilidade cognitiva, ou seja, a capacidade do cérebro de buscar soluções.


Ao contrário do que cantou Tim Maia, O que eu quero? Sossego! nem sempre é um mantra palpável. A impossibilidade de fugir da aventura, talvez, seja a maior prova de que nunca estivemos no controle.

 

Colaboraram:

Gabriel Viana, 24 anos, estudante de Ciências Contábeis

Cristina Moraes, 31 anos, publicitária

Larissa Pinto Martha, doutoranda em Teoria Psicanalítica na UFRJ e psicanalista no Instituto de Estudos de Complexidade (IEC)

Rita Isabel Saraiva Jerónimo, professora do Departamento de Psicologia Social e das Organizações do Instituto Universitário de Lisboa e autora da tese de mestrado “A dificuldade em compreender o inesperado: formação de impressões e codificação da informação incongruente”

José Manuel Mendes, professor de sociologia na Universidade de Coimbra e pesquisador do Centro de Estudos Sociais, com trabalho nas áreas do risco e da vulnerabilidade social

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