Por Beatriz Carneiro e Catarina Virginia Barbosa
Kim Kardashian figurava entre as pessoas mais seguidas do Instagram em 2017, quando protagonizou mais um episódio de blackfishing. A empresária foi acusada de escurecer a pele nas fotos de lançamento da KKW Beauty, sua marca de cosméticos.
Após a polêmica, Kim disse que “não quis ofender ninguém, apenas mostrar o contorno”. O episódio não afetou a venda dos produtos. No primeiro ano, a marca foi avaliada em 100 milhões de dólares pela Forbes, atingindo um valor de mercado de 1,2 bilhão em 2021.
O blackfishing, do qual Kim foi acusada, é usado para denominar a prática em que pessoas brancas tentam se parecer esteticamente negras ao escurecer a pele com maquiagem e bronzeamento e aumentar os lábios, por exemplo. O termo foi cunhado em 2018 pela jornalista Wanna Thompson ao observar que, como a experiência de Kim, influenciadores estavam “se parecendo com negros” para lucrar e se autopromover.
A estratégia é um caso de apropriação cultural, como pontua Vera Rodrigues, professora de antropologia das populações afro-brasileiras da Unilab-UFC. “Pessoas brancas são um grupo majoritário que ocupa lugares de privilégio e conseguem se apropriar e manipular características de grupos subalternos”. Ela completa que, por debaixo da maquiagem, existe uma pessoa branca com privilégios sociais assegurados.
Esse comportamento está relacionado à demanda do próprio consumidor negro, que deseja se enxergar nos produtos e, de acordo com o banco OneUnitedBank, movimenta mais de 1,2 trilhão de dólares por ano nos Estados Unidos. Para figuras públicas e marcas como KKW Beauty, é importante conquistar audiência, não importando os meios.
A demanda por representatividade cresceu ainda mais em 2020, impulsionada pelo movimento Black Lives Matter, e fez com que marcas como Dior, L’oreal e Sephora colocassem pessoas negras em suas campanhas publicitárias. O movimento, porém, limitou-se ao mês de junho: as modelos com pele mais escura logo foram substituídas pelas de pele clara, mas com bronzeamento, para que consumidores negros continuassem “enxergando-se” nos produtos.
Ao substituir modelos negros, o mercado reforça a ideia de que a participação dessas pessoas tem de ser limitada a temas raciais. Duda Buchmann, criadora de conteúdo sobre moda e beleza, desabafa: “Nós, influencers negros, precisamos estar sempre reclamando de racismo para viralizar, não podemos falar sobre outros assuntos”.
Quanto mais escuro o tom da pele, mais difícil é o mercado. Afreekassia, artista e influenciadora, sente na pele o peso da cobrança triplicada: “Eu tenho que lutar muito mais, estar perfeita, falar bem e me vestir bem”.
Mais do que apenas maquiagem e bronzeamento, o blackfishing diminui oportunidades e alimenta a exploração da estética de uma cultura marginalizada, conforme aponta Triscila Oliveira, ativista pelos direitos negros na internet: “A indústria quer uma representação nossa para não perder os bilhões que consumimos, não nossa representatividade”.
Colaboraram:
Afrekassia, DJ, cantora e artista visual
Duda Buchmann, Produtora de conteúdo sobre beleza, moda e autoestima
Triscila de Oliveira, Ciberativista dos direitos negros, roteirista e influenciadora digital
Vera Rodrigues, Profª Drª de Antropologia na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira da Universidade Federal do Ceará (Unilab-UFC)
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