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Vitrine inconveniente

Cansada da aula, Clara decide gastar cinco minutinhos no Instagram. Ela dizia para si (de novo) que agora seria diferente.


Por Samantha Prado


Conceito: Bianca Muniz e Samantha Prado/ Desenho: Bianca Muniz

Cansada da aula, Clara* decide gastar cinco minutinhos no Instagram enquanto o professor responde uma dúvida. O aplicativo tinha sido deletado e reinstalado pela terceira vez no mês. Ela dizia para si (de novo) que agora seria diferente: nenhuma imagem irá lhe subir à cabeça. Dirá não a todo óleo essencial que prometa seu bem estar, a todo brinco que é a sua cara, a toda bota que só ela ainda não tem. Não, não e não.


Passa por fotos de amigos e produtos através da tela do celular quebrada há meses - nunca sobra dinheiro para consertá-la, poupar parece impossível. A cada tentação arrasta a tela mais rápido, finge que não viu.


Não demora muito para sentir aquela familiar estranha sensação: um misto de ansiedade, irritação e cansaço mental. O que era aquela vitrine virtual que ela não pediu para ver? De onde vinham todas aquelas fotos?


Era um terreno perigoso, Clara sabia. Um milésimo de segundo bastava para seu olhar ser fisgado e sua mente perdida. É um poder que atua pelas vias do inconsciente, basta um click emocional para atravessar a linha tênue entre gostei e preciso.


Repentinamente, algo a toca. Foi pelos olhos, mas ela se sente atravessada. Uma bolsa com a sensação de encontro: modelo preferido, cor preferida e que lhe diz que era isso que lhe faltava. Não está escrito, mas é o que ela sente. Clica. Só vou ver.


Presa em cada imagem, tudo parece conversar com ela. A composição, as cores, os objetos. Não vou comprar nada dessa vez. Sai da página, mas a mente não. A possibilidade martelando em sua cabeça. Mas, e se?


Volta. Entrega-se àquele mundo de emoções que lhe foi proporcionado: seleciona produtos, faz contas, cria argumentos. Clara se sente desafiando o próprio senso de impossibilidade. Tudo o que vê, ela pode materializar. Ah, o super poder provindo de alguns dígitos do cartão.


Confirma a compra e sente-se inundada pela satisfação. Por um instante ela não está vivendo o real, mas sim dentro daquelas imagens.


O tom de despedida na voz do professor a chama de volta a realidade. Tinha perdido toda a aula nisso e se dá conta do roteiro que está por vir: pode levar horas ou dias, mas a culpa chegará de uma vez só. Se sentirá vencida, comprada (veja só, por imagens). O conserto da tela do celular vai ficar para o mês que vem. Mais uma vez.



* Clara é uma personagem fictícia inspirada nos relatos de Bárbara Namie, Edmiraldo Campos, Daniella Madeira, Laís Lahoud, Laura Gomes e Thamires Vieira.



Colaboraram:

Luciana do Rocio Mallon (professora de semiótica);

Viviane Meccatti (publicitária);

Sandro Abreu (publicitário).



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