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Holograma: a luz que se torna o artista

Técnica ganha contornos de protagonismo na indústria de shows


Por Caroline Aragaki, Giovanni Marcel e Renan Sousa


Conceito: Caio Mattos/ Desenho: Caio Mattos

A série de televisão britânica Black Mirror, famosa por trazer temáticas absurdas que acabam fomentando o debate público, trouxe no último episódio da sua 5ª temporada, estreada em 2019, a história fictícia de Ashley O, uma famosa cantora que, após adoecer, entra em estado de coma, sendo então substituída por um holograma.


Ashley O, interpretada por Miley Cyrus, na série Black Mirror. Créditos: Gfycat.com


A trama gira em torno da ganância da produtora em continuar lucrando com a imagem da artista, mesmo não tendo voz ativa nas novas produções e performances. Seus shows agora são comandados por um holograma à imagem da cantora, que imita seus movimentos e suas músicas. Apesar de parecer uma situação bastante futurista, a realidade não está tão distante.


Holograma da cantora sendo apresentado em um show durante o episódio. Créditos: next.reality.news


A primeira aparição de um holograma na cultura pop foi no primeiro Star Wars, de 1977, em que é possível ver que a técnica depende de um aparato de projeção, possui imagens animais e simula a presença física. Depois dessa cena, outras situações similares foram criadas no cinema, em especial com a temática de ficção científica.


“Você é minha única esperança”, diz a princesa Leia antes de encerrar a mensagem. Créditos: Gfycat.com


E fora das telas?


O maior marco holográfico na indústria de shows é o do rapper Tupac Shakur, reproduzido na 13ª edição do festival Coachella, na Califórnia, Estados Unidos. A apresentação ocorreu em 2012, quando o artista já havia falecido.


As vendas dos álbuns de Tupac aumentaram em 500% após o show, segundo a empresa Digital Domain, responsável por criar o holograma. Créditos: Tenor.com


Um ano depois, Cazuza foi projetado com a mesma técnica em dois shows gratuitos, um no Parque da Juventude, em São Paulo, e outro na Praia de Ipanema, no Rio de Janeiro. Olhando a platéia, era um show como todos os outros: luzes de celular vibrando no ritmo da música, coro em todos os refrões e até mesmo lágrimas emocionadas. O parque lotou com 40 mil pessoas, e na praia havia uma legião até onde dava pé no mar, com 500 mil espectadores.


Em show de 1h40min dedicado a homenageá-lo, 20 minutos foram com um holograma do artista. Créditos: Giphy.


Fã do cantor desde a época em que ele era integrante do Barão Vermelho, Rosana Mancini o conheceu pessoalmente após uma apresentação em 1986 e fez questão de ir nos dois shows holográficos. Ao olhar para os palcos em 2013, ela teve sentimentos mistos: apesar de saber se tratar de uma projeção, a emoção batia forte em forma de nostalgia e saudosismo.


Após o show deste ingresso de 1986, Rosana - que tinha 16 anos - esperou por meia hora em uma fila próxima ao camarim do cantor para conseguir um autógrafo. Créditos: Arquivo Pessoal/Giphy.


Ela conta que o holograma até interagia com o público, reproduzindo gravações de shows anteriores, porém causava certa estranheza nos momentos em que a música acabava, pois era desligado até retomar na próxima canção. Apesar dos gaps tecnológicos, Rosana confessa que se emocionou: “Me vi cantando e chorando ao lado de um desconhecido, unidos pelo amor a Cazuza”.


Rosana não hesita em dizer que iria em outros shows holográficos de Cazuza, independente de preço e fila. “Por quê? Fã é assim!” Créditos: Giphy.


Quem tem direito sobre o holograma?


Reproduzir a imagem de uma pessoa não é a mesma coisa que tocar um CD com as músicas dela. Nesse caso, estão envolvidos o direito de personalidade e propriedade intelectual, tratados de maneira diferente pela lei.


No show de Cazuza, por exemplo, foi feito um acordo com a família para a reprodução da imagem do artista. Créditos: Giphy.


Quando a pessoa já morreu, a família passa a ter os direitos sobre a imagem da pessoa, enquanto a obra (músicas, escritos, etc), pode estar sob domínio de uma empresa. Nos dois casos, a reprodução em holograma segue tal como seria pedir para um artista se apresentar: é preciso pedir para quem tiver os direitos (parentes, gravadora, etc) e pagar.


Pela lei brasileira, a obra se torna de domínio público 70 anos após a morte do artista. Créditos: Tenor.com.


Um novo espectro de artista


Ao contrário de Rosana, Amanda Lumi foi a um show para encontrar sua idol mais viva do que nunca. Hatsune Miku é uma ídolo pop japonesa que tem um diferencial: é e sempre foi completamente digital, ganhando vida através da técnica de hologramas.


Hatsune Miku (ao meio) faz parte do software de sintetização de voz Vocaloid, junto com outras variações. Créditos: pinterest.


Em um pocket show de pouco mais de 30 minutos no Anime Friends de 2018, no Anhembi, a artista gerou gritos de animação com seus pré-gravados “Oi” e “Obrigada”. E, diferente de artistas de carne e osso, uma rápida transição junto com cenário basta para aparecer com um novo figurino e pronta para a próxima música.


A idol ganha forma através de outros compositores e artistas que fazem uso da voz digital. Créditos: Gifer.


Assim, a distância entre o virtual e o real fica ainda menor com a técnica dos hologramas, questionando a nossa concepção do que é ser artista. “Toda existência dela depende de uma programação prévia, então acho que é o mais próximo que eu conseguiria chegar (da idol)”, conta Amanda.



Colaboraram:

Amanda Lumi, graduanda de Biblioteconomia na ECA-USP e fã de Vocaloid;

Claudia Torres, produtora cultural que executou a planilha orçamentária do holograma do Cazuza no Projeto GVT Music Live: Cazuza;

Eduardo Tomasevicius Filho, professor de direito civil na USP;

Júlia Ticianelli, advogada pós graduanda em propriedade intelectual;

Roberto Tietzmann, professor de Comunicação da PUC-RS, com especialização em imagem e tecnologia aplicada;

Omar Marzagão, produtor cultural e curador do Projeto GVT Music Live: Cazuza;

Rosana Mancini, fã do cantor Cazuza;

Samara Kalil, jornalista e autora do doutorado “Comunicação e Hologramas de Entretenimento: Representações de artistas mortos em palcos de shows de música ao vivo”.



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