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Amigos? Negócios à parte

Por Ana Beatriz Rodrigues e Natália Milena


Arte por Luana Benedito e Maria Luísa Bassan

Cláudia checa as notificações do celular e vê uma mensagem da Renata no grupo de amigos da faculdade: “Não esquece de passar no Carrefour e comprar os refrigerantes pro churrasco de hoje à noite!”. Não disse qual, mas deve ser Coca-Cola, né? Hmm, só de pensar, vem à cabeça aquela Coca bem geladinha.


Ou quem sabe além da Coca, hoje ela compre um Guaraná Antarctica de dois litros. Os últimos vídeos da marca que apareceram pra Cláudia foram muito engraçados e faz tempo que ela tem pensado em consumir mais. Churrascos como o de hoje parecem mesmo um comercial da marca: momentos alegres, de bom-humor e muita risada entre amigos.


Não é de hoje que as marcas buscam meios de estar presente na vida das pessoas e criar vínculos para provocar familiaridade dos consumidores e estar no seu top of mind. Os recursos são muitos – cenas cotidianas, peças publicitárias com a mesma celebridade para associá-la à marca, e, correntemente, a estratégia de personificação da marca.


Os personagens estão na publicidade desde o seu início, mas, com as novas tecnologias, seu uso alcançou outro patamar - atualmente, temos a “Lu do Magalu”, com expressões refinadas a ponto de participar em um clipe com a Anitta. No caso do Magazine Luiza, a adoção da “influencer digital” fez com que, em setembro de 2019, a personagem e a marca já somassem 14,4 milhões de seguidores entre Facebook, Instagram e YouTube.


Cláudia pede um Uber. Ao entrar no carro, recebe um e-mail da Pantys perguntando o que achou da calcinha absorvente que comprou no mês passado. Como a marca sabe que à essa altura o ciclo reinicia e que Cláudia já deve ter uma opinião sobre o produto?


São 10 minutos até chegar ao Carrefour. “Qual filme será que ela vai me recomendar da próxima vez?” Pensa, ao rolar o feed. “Ela sabe que ultimamente tenho gostado de conteúdos mais leves e gostei da comédia do último fim de semana. Comentei o último post dela no Twitter, mas ela nem me respondeu dessa vez.” Desde o início se deram muito bem, e ela não errou sequer uma indicação até agora! “Minha relação com a Netflix é um encontro de almas, como pode me entender tão bem?”


Cláudia não sabe, mas a amiga Netflix a entende por ter acumulado um volume grande de informações a respeito dela e de muitos usuários. Percebe padrões de comportamento e preferências, cruzando dados e sendo capaz de “prever” as próximas escolhas cinematográficas de uma multidão - segundo a empresa Bernstein Research, em setembro de 2020, o serviço de streaming contava com 17 milhões de assinantes no Brasil, já ultrapassando os canais tradicionais de TV por assinatura.


Turbinado pela disseminação das redes sociais e da hipersegmentação dos grupos de consumidores que elas proporcionam, a essência do marketing permanece a mesma – vender produtos e serviços, mas, principalmente, vendê-los muitas vezes. Os recursos, no entanto, são outros, e passam pelas práticas que caracterizam o chamado “capitalismo de vigilância” – a coleta de muitos dados para entregar com precisão as propagandas para seu público.


Dedica-se intenso capital também à manutenção da coerência da marca, visando a despertar confiança dos consumidores. É necessário frisar, porém, que as marcas têm grande força para poder midiatizar o que quiserem, com capacidade para manter "submersas" suas contradições. Mantêm, assim, a aparência de um amigo – o que raramente fica claro, no entanto, é o preço a se pagar por tanta prestatividade.


Cláudia chega à casa da amiga e toca a campainha. Renata abre a porta e a abraça; em seguida, pega a sacola que Cláudia carrega, abre e dá um suspiro. “Você e a Coquinha! Agora a festa está completa”.


 
Colaboraram:
Ângelo Nunciarone, profissional de marketing
Camila Renaux, profissional de marketing
Carolina Veraneio, publicitária
Daniela Picchiai, publicitária
George Bedinelli Rossi, professor e Membro da Comissão da Coordenação do Curso de Bacharelado em Marketing (EACH/USP)
Helena de Jesus, consumidora
Ingryd Castelo, consumidora
Josmar Andrade, professor do Curso de Bacharelado em Marketing (EACH/USP)
Lucas Oliveira, consumidor
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