

O Parque Municipal Nascentes do Ribeirão Colônia foi recém inaugurado no mês de fevereiro e abriga uma variedade de espécies de fauna e flora

O bonito lago do Parque que, de tão límpido, é quase um espelho da floresta
Texto: João Pedro Malar e Tamara Nassif
Fotos: Tamara Nassif
Enquanto um pequeno grupo de pessoas se reunia por volta das 7 horas da manhã de um sábado do mês de março, uma fila de empréstimo de binóculos se formava do deck à porta. Uma placa dizia: Parque Municipal Nascentes do Ribeirão Colônia, inaugurado em fevereiro de 2020. Ele é localizado em Parelheiros, na zona Sul de São Paulo, quase 20 quilômetros depois de Grajaú. Ainda bem cuidado, pedia para ser registrado pela beleza e por abrigar diversas espécies de fauna e flora. Um olhar mais atento já poderia render uma espiadinha em alguma ave que por ali tinha feito ninho. Era esse, aliás, o propósito das pessoas ali: observar pássaros.
Com seu fim explicado no próprio nome, é uma atividade organizada em expedições individuais e coletivas para lazer e conscientização ecológica. Também chamada de “passarinhar” ou “birdwatching”, ela começou no século 18, na Inglaterra, como um hobbie de colecionadores. Com o tempo, se tornou mais acessível e ambientalista, a ponto de encontrar adeptos aqui em terras tupiniquins em meados de 1970. Em 2014, da vontade de atrair mais observadores e da necessidade de catalogar espécies de aves dos parques de São Paulo, nasceu o #VemPassarinhar, uma iniciativa da Divisão da Fauna Silvestre da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente (SVMA), da Prefeitura de São Paulo, em parceria com a ONG Save Brasil e o Instituto Butantan.
A expedição de março ocorreu no parque parelhense. Membra da Divisão da Fauna, a bióloga Leticia Bolian sustentava uma conversa animada com a colega de profissão e de projeto Anelisa Magalhães. Estavam satisfeitas que 44 pessoas que haviam se interessado pela atividade – o maior grupo desde o começo do ano – e sete delas estavam prestes a realizá-la pela primeira vez.
Como a passarinhada estava marcada para começar às 7h30, o grupo se juntou para aguardar instruções. Poucos eram os que não tinham os olhos voltados para o Parque – e, se não estavam olhando para frente ou para cima, olhavam para os pés enlameados. Foi o mês de fevereiro mais chuvoso da história de São Paulo e a lama dava sinais de que não queria ficar de fora da trilha.

Os observadores já exercitavam o olhar apurado antes da atividade começar propriamente (Tamara Nassif/Claro!)
LEVANTANDO VOO
Leticia se precipitou ao grupo para oficializar a atividade. “Como estamos em bastante gente, vamos tentar nos dividir. Temos eu, a Anelisa, estagiárias e ex-estagiários. Temos vários ornitólogos [profissionais que estudam aves] também, então vai ter gente lá no começo da fila e lá no final”, disse, para tranquilizar os iniciantes que ainda não tinham o olhar treinado para identificar aves na mata.
A trilha, aliás, pela tenra idade do Parque, ainda estava densa e apertada. A iniciativa do #VemPassarinhar busca também colocar novos parques no radar dos paulistanos, em uma tentativa de expandir o leque cultural-ambiental para além do eixo Ibirapuera-Butantã.
O que pode ser sinal de ausência humana, também é indicativo para cuidado e atenção redobrados. Em uma trilha estreita com um grupo tão grande de pessoas, não só os riscos de acidentes são maiores, mas o barulho concentrado pode repelir os pássaros que aparecem. Por esse motivo, Leticia disse para que o grupo não ficasse decepcionado caso só metade visse uma determinada espécie. Para facilitar, foram entregues binóculos aos que não tinham e uma cartilha-guia com as aves mais carimbadas dos parques de São Paulo.
Com as instruções dadas, o grupo caminhou a uma clareira que antecedia a trilha e se preparou para passarinhar, efetivamente, seguido de perto por um vira-lata caramelo que não queria ficar de fora do passeio.
Os dois principais equipamentos utilizados no trajeto são a câmera e o binóculo. No vídeo, alguns observadores interagem e riem enquanto usam os equipamentos para admirar um dos pássaros avistados.

O grupo de observadores concentrado na clareira. Nesse momento, tinham avistado dois tucanos-de-bico-verde
NO NINHO

Equipamentos de observação variam de porte, função e preço
O número de pessoas promoveu uma separação natural. A maior parte do grupo, em especial os novatos, caminhava ao lado dos guias na expectativa da primeira espécie aparecer. Alguns, os mais rápidos e experientes, já tiravam fotos e observavam, atentos, com os olhos e com os ouvidos.
Mas ir rápido não é sinal de que a atividade está progredindo. É mais provável que, ao chegar em um ponto, tenham longos períodos de espera até que um pássaro se aproxime. É uma atividade de paciência.
A primeira parada, por exemplo, se estendeu por ao menos quinze minutos. Conforme o grupo se juntava, crescia o número de olhos e ouvidos, bem como o de dedos apontados para o alto. As palavras eram acompanhadas de fotos, binóculos e comentários sobre as espécies avistadas.

Equipamentos de observação variam de porte, função e preço
Durante o passeio no parque, observadores encontram um pássaro e reagem admirados ao animal
Pássaros avistados, a trilha prossegue. A rota era sinuosa, cheia de lama. Também não era difícil esbarrar em árvores e outras plantas, por vezes até espinhosas, conforme a fila indiana de observadores caminhava.
Em uma passarinhada, a visão é o sentido mais aguçado, mas não o único. De pequeno porte e camufladas, as aves são mais facilmente encontradas por sons. Para avistá-las, é preciso tocar um playback de seus respectivos cantos. Curiosas e territorialistas, elas aparecem para peitar o colega de espécie e, nos breves segundos antes de perceberem que caíram num trote e voar para longe, os observadores identificam a espécie e em qual direção ela está. Daí a importância de um grupo grande: quanto mais olhos, melhor.
Com o tempo, a passarinhada pode ficar repetitiva. Ouvir, localizar, observar, fotografar. Ainda assim, os observadores mostram-se animados com todo o processo, e, no geral, é a discussão quanto à identificação da espécie e o processo de localização do pássaro que mais rendem comentários, sorrisos e gestos.

O playback, tocado em telefones celulares e gravadores, atrai o pássaro para mais perto do grupo
Playback sendo tocado durante a observação
Para além da figura do pássaro, a observação também estimula uma cultura de valorização e preservação do meio ambiente. Existe uma ligação afetiva entre a natureza e o observador. Marcus Kawall, biólogo e membro da Divisão de Fauna da prefeitura de São Paulo, ressalta que a atividade depende da existência de áreas conservadas e que as aves são a “porta de entrada” para a pauta da preservação ambiental. Isso se confirmou mais tarde, quando o grupo topou com um opilião, uma espécie de aracnídeo.
A tecnologia também ajuda na observação, com aplicativos como o Ebird e o site WikiAves. “Você tem o celular na mão, a máquina fotográfica, as pessoas conversando, o Ebird. Isso ajuda a pessoa a falar: ‘nossa! Vi nada, mas vi tudo’, e aí dá vontade de ir de novo”, resume o biólogo.

Opilião, aracnídeo que, “para ser uma aranha, só falta a bunda”, de acordo com Anelisa
Depois do playback, pássaros se aproximam dos observadores
Aplicativo Ebird ajuda na identificação das aves obervadas

No centro da foto, o bico-chato-de-orelha-preta aparece camuflado entre a folhagem da vegetação local

Passarinhar vai além de interações com a natureza: em um grupo com gostos em comum, é inevitável que a interação também seja humana

Cristina Rappa comenta que chegou a ficar dividida entre “jornalismo e biologia”, mas agora parece ter encontrado uma atividade e área de atuação que unem partes dos dois
POR QUE PASSARINHAR?
Observar pássaros proporciona muito: contato com a natureza, formação de laços humanos, desligamento da cidade, contato com um objeto de estudo.
Leticia realiza a observação desde 2016, mas, inicialmente, fazia apenas levantamento de fauna, um trabalho mais individual. Para a bióloga, o mais essencial é a importância científica de registro de espécies, obtenção de dados sobre circulação e distribuição de pássaros. Em 2019, o #VemPassarinhar chegou a registrar 239 espécies no sudeste do país.
Marcus, por outro lado, destaca o registro fotográfico. Ele observa pássaros desde a infância, mas geralmente via as aves em ambientes fechados. Agora, ele explora os espaços naturais. Kawall é um bom exemplo da rede de fatores que gera o interesse na atividade: o aspecto científico, de preservação, fotográfico e os laços pessoais.
Já para a jornalista Cristina Rappa a atividade serve como uma inspiração. Atualmente ela escreve livros infantis sobre pássaros e encontra possíveis personagens para as obras a partir do que observa.
E como surgem os passarinheiros iniciantes? Beatriz Barbosa e Alex Monteiro realizaram a atividade pela primeira vez na expedição de março. Beatriz soube do evento por um grupo no WhatsApp e repassou a um coletivo de audiovisual. Alex se interessou, e os dois decidiram realizar a passarinhada para explorar a possibilidade de produzir vídeos de temas ligados ao meio ambiente.
“Eu gostei, mas vou estudar o catálogo”, brinca Beatriz, que se surpreendeu com a facilidade dos observadores em identificar os pássaros. “Nunca tinha feito nada assim na vida, no máximo trilha”, comenta Alex. Ambos pretendem realizar a atividade de novo.

Beatriz Barbosa e Alex Monteiro (no canto esquerdo) realizaram a atividade pela primeira vez
Imagens: Victor Chahin